quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Os chatos do papo

Há algum tempo venho notando o aumento considerável e desagradável de interlocutores que não “interlocutam”, ou seja, estão presentes, mas é como se não estivessem ou como se estivessem em dobro, nunca na medida certa. E não é só por causa esse inferno de aipodes, aipedes, andróides e outras tralhas que mudaram a dinâmica dos papos e alteraram a noção de educação e respeito. Há cada vez mais pessoas que não têm a mais vaga consideração com seus parceiros de papo, mesmo não sendo usuárias dessas drogas e não estando sob o efeito delas. Tem o avoado que “desliga”, tem o cara que te interrompe no meio de uma argumentação para falar de outra coisa, tem o peru de fora que chega tarde e corta tudo sem pedir licença, enfim, a fauna é grande.

Domingos de Oliveira fala hoje sobre o assunto e, embora não esgote o tema, a crônica é uma boa leitura.

Faça o seu clube

Quando você fala com outra pessoa, ela não ouve o que você diz e responde qualquer coisa baseada no que lhe convém. Essa é a realidade do diálogo interpessoal nos tempos que correm. Se você for conversar com um alguém, convém seguir uma técnica rigidamente observada. Tenho achado as conversas de mesas muito chatas, tenho achado chatas as conversas fora das mesas. Tenho o desprazer de anunciar aqui a falência do diálogo, aquilo que permitia o entendimento. Não se assuste, explico, a clareza é a cortesia do filósofo.

Bem verdade que os bares ficaram cheios de proibições: não pode fumar nem tabaco nem maconha, não pode dizer em bom tom palavras relacionadas à cor ou preferência sexual dos fregueses, não pode beber demais nem de menos porque senão o garçom reclama que você sentou à mesa sem consumir. E os aparelhinhos coloridos entraram no cenário. Cada um com seu telefone na mão. Mandam mensagens. Não vê. Não toca o outro. Detalhe: a preciosa pausa! Conseguiram igualmente roubar as pausas. Aquele significativo intervalo que tínhamos entre falar e ser respondido. O mínimo que se pode fazer com esses intrusos é, de vingança, escrevê-los em português: “iscaipe”, “gúgol”, “uatizap”, ”tuíter”, “feicebuque”.

Por essa e por outras, resolvi fundar um clube! Atitude insólita. Os associados reúnem-se uma vez por semana. “Clube dos Artistas”, “dos Autores”, “dos Guerreiros”, “de Estudos”, “dos Bravos”, dos Lúcidos”, “dos Bravos Guerreiros”, “dos Bravos Guerreiros Contra a Morte”. Nenhuma dessas fachadas pegou. Então ficou sendo “O Clube”. Nome mais que suficiente, ao que me parece. Ninguém sabe, nem eu, para que serve o Clube! Seria natural montar peças, ler livros, conversar política, porém descobrimos coisa mais curiosa. Está entrando em decadência a arte da conversação! Estudamos o que é um diálogo interpessoal hoje, de qualquer forma, não importa o conteúdo! Estudamos, quase arqueologicamente, a esquecida “Arte da conversação”. Descobrimos que há no próprio ato de dialogar, atualmente, alguma coisa muito errada. Descobrimos! Às vezes descobrimos defeitos em coisas que fazemos há anos.

Os homens não inventaram essas coisas como palavras, frases, verbos, adjetivos para jogar fora. O diálogo é um código que serviria para permitir o entendimento, a aceitação mútua. Hoje, “o processo da conversa” é um desenvolvimento do jogo infantil do telefone sem fio, da conversa de botequim ao Congresso Nacional. Na verdade, reparem! Não dialogamos. Ouvimos o que o outro diz. E respondemos outra coisa. Coisas que não passam da expressão de sentimentos egoístas. Replicamos com outras coisas que fingem responder à primeira. Tipo: “Que vantagem posso levar dessa conversação?” “Como o mundo me vê?” “Falo sorrindo porém tremo de medo de encontrar o senhor, senhora ou senhorita?”. O medo tem muitos disfarces, poderia dar sozinho um baile à fantasia.

Qualquer diálogo nos dias de hoje, até o amoroso, beira molde semelhante ao descrito acima.

Talvez existam outras coisas que fazemos a toda hora sem perceber os defeitos. O Clube propõe que seja diferente:

1. Que, envergonhados, reconheçamos, todos, que esquecemos a arte ancestral da escuta.

2. Que, num honesto diálogo, somente é permitido responder alguma coisa que enriqueça e informe quem falou. A tréplica deve seguir a mesma lei. E assim iria o diálogo até o fim, até outro assunto. E assim, conseguindo realizar a proeza de manter as consciências paralelas, podemos ser tesouros uns para os outros. É aonde eu queria chegar.

3. Que achar chato e desinteressante o assunto do outro é uma falta de consideração tremenda. Desfaz o diálogo.

Consta uma lenda, que se refere a personagem bem-sucedido e notório na praça. Sempre que lhe perguntavam se ele gostava de artes, livros ou filmes, qualquer tipo, ele se surpreendia: “Gostar? Mas com que finalidade?”

No Clube já experimentamos algumas vezes colocar pessoas conversando e utilizando fielmente os preceitos acima dos nossos arqueólogos culturais de 1 a 3 (escuta, importância da resposta e interesse). E foi surpreendentemente agradável, pode acreditar. Inacreditável mesmo. O vinho correu leve, tudo era sensual e divertido. Era o prazer da conversa. Era claro também para todas as pessoas que observações novas, profundas e belas tinham sido ditas num diálogo corrente.

Estudar a arte da conversação parece uma pesquisa inatual, mas quem sabe muito melhoraria se aprendêssemos a dialogar civilizadamente. Olhem! Atenção! Um grupo disciplinado que treinar bastante, como no circo, e dominar essa arte terá nas mãos inesperados poderes, inclusive políticos. Ficarão famosos e ricos. Será dito pelas esquinas “aqueles se entendem, por isso dá certo tudo o que eles fazem”.

Se você estiver interessado em entrar para um clube assim, tente nos achar. Se não estiver, não faz mal. Funde o seu.

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