quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Machadada freireana em Machado de Assis

Valentina de Botas: Um escritor genial foi castrado com o patrocínio do MEC

No bacharelado em Linguística pela USP, vi a importância do poliglotismo na própria língua, isto é, o falante conhecer os diferentes níveis de realização do idioma. A conversinha esquerdopata de equiparar a norma culta às outras variantes já rondava, mas os professores lúcidos destacavam que mesmo os defensores dessa bobagem usam a norma culta.

Considerando que cada um erra do próprio jeito, qual seria o “erro certo”, o “erro normativo”? Ou a proposta é cada um errar como quiser até que não falemos mais a mesma língua, diluindo-se o fator de integração nacional, até que a nossa literatura seja reescrita segundo o erro de… quem? As vigarices convergem na desnecessária Patrícia Secco que “simplificou” Machado de Assis, alterando “O alienista” com o patrocínio do MEC para 600 mil exemplares.

Desprezou que se extirpa um escritor de si mesmo ao lhe modificar o vocabulário e que simplificar um gênio é explicar Deus: impossível e contraproducente, pois a desvelação de divindades e gênios os extinguiria. Deus é simples, gênios também; e o contrário de simplicidade talvez não seja a complexidade, mas a falsidade. Ela sabe disso, só não se importa; não há inocência nesses soviets tropicaloides, mas premeditação.

O pecado maior de Patrícia não é sonegar 600 mil leitores a Machado, pois o gênio sobrevive ao país que o lê pouco, e sim confiscar o verdadeiro Machado da experiência leitora de 600 mil pessoas. Ensinar que o errado está certo é o cântico da doutrina do pobrismo-coitadismo com base na “educação do oprimido” de Paulo Freire, segundo a qual o aluno chega à escola com um saber determinado pelo meio. Até aí a novidade é nenhuma, a excrecência inexistente em países com educação decente é elevar esse saber, no Brasil, acima daquele adquirido com o estudo.

O abuso ideológico disso se volta contra a língua portuguesa e os brasileiros que conhecem a norma culta e os que não conhecem: condena os primeiros pelo “elitismo” e pela “humilhação” dos segundos; a estes, confina na ignorância sobre a própria língua e as magníficas potencialidades dela. Ora, o elitismo é saneado com o acesso ampliado à norma culta o que, consequentemente, aboliria a humilhação.

Mas, Machado – mulato, gago, franzino, pobre – oprime. Só pode ser ensinado se extirpado o nervo da cultura que espelha e que adquiriu apesar dessas condições. E consideram a letra dos funks estereotipados da periferia libertadora na chancela da ignorância narcísica como trincheira contra o “discurso opressor do saber institucionalizado”. Quem fala assim merece mesmo ouvir funk o resto da vida.

Então, pregam que se ensine “a norma culta, mas a partir da consideração de variantes populares do idioma que o aluno traz consigo ao chegar à escola”; ora, isso é assim há tempos. Mas essa gente faz do ponto de chegada o mesmo de partida. Enquanto na castração de Machado, há Estado demais; na deformação do ensino da língua, há Estado de menos para tanta ideologia, tóxica também na rede privada. Nesse primitivismo, o Brasil, que nunca foi são, tem a cara finalmente deformada pelos gênios falsos na era da mediocridade cujo patrono é um deus simplesmente jeca.


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