segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

O manifesto 171 ou o esperneio da centopeia

Eu cheguei a ler a meia página de jornal com o cartapácio dos chicaneiros que, por módicas quantias que variam de três a dez milhões de reais, se converteram em defensores e amigos dos amigos do alheio, intitulado pomposamente de “Carta aberta em repúdio ao regime de supressão episódica de direitos e garantias verificado na operação Lava Jato”. Bonito pra cacete!

O troço não passa de esperneio de uma centopeia com 105 pares de pernas - a não ser que algum deles seja perneta. Aliás, 104, já que Gilson Dipp, ex-ministro do STJ, afirma categoricamente que não assinou o manifesto contra a Lava Jato, embora sua assinatura apareça entre as de 105 advogados. Disse ele: “Não tinha sequer conhecimento da existência de um manifesto, que dirá assiná-lo. Ninguém me ligou. Fui pego de surpresa, tomei conhecimento ao ser consultado pela repórter do Globo ontem à noite. Forjaram a minha assinatura”

Apenas e tão somente pelo estelionato contra Gilson Dipp, o lero-lero já não deveria ser levado em consideração. No entanto há outras considerações a serem feitas a respeito do teor da bobajada onde os chicaneiros, entre outras coisas, arvoram-se de senhores absolutos da Justiça, e o Estadão as tece.

Editorial do Estadão: Manifesto irrefletido

Um grupo de advogados divulgou manifesto com duras críticas à Operação Lava Jato, na qual haveria um “regime de supressão episódica de direitos e garantias”. Não poupam palavras para externar o sentimento de indignação contra os processos judiciais em curso. “Nunca houve um caso penal em que as violações às regras mínimas para um justo processo estejam ocorrendo em relação a um número tão grande de réus e de forma tão sistemática”, afirmam os subscritores.

O manifesto não é uma expressão de legítimo interesse público, como tenta se apresentar. Nada mais é do que a defesa de interesses privados. O documento faz parte da atividade profissional de renomados advogados. Afinal, vieram a público defender os interesses de seus clientes, muitos dos quais frequentaram e frequentam o noticiário policial. Esses clientes, em resumo, protagonizam as operações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público.

Se fosse apenas isso, nada haveria de reprovável. O documento seria um instrumento para a devida defesa de réus e condenados. Mas ele ultrapassa essa finalidade ao se tornar um libelo acusatório – sem provas que não as palavras dos signatários e à revelia dos fatos – contra instituições. E resvala para a molecagem quando imprime como subscritores nomes de advogados que não assinaram o manifesto.

Os verdadeiros signatários tratam levianamente a imprensa, como se os jornalistas que a compõem formassem uma massa amorfa de manobra, à disposição de quem queira moldá-la. Ousam dizer que há uma “estratégia de massacre midiático”, parte de “verdadeiro plano de comunicação, desenvolvido em conjunto e em paralelo às acusações formais, e que tem por espúrios objetivos incutir na coletividade a crença de que os acusados são culpados”. Ora, seus clientes tiveram amplas e reiteradas possibilidades para explicar as denúncias que vieram a público. A imprensa tem informado lisamente a respeito do que ocorre. E os brasileiros têm o direito de saber, até porque foi do bolso de cada cidadão que saíram os bilhões de reais que os réus e acusados – que, segundo os advogados, padecem os tormentos da injustiça – enfiaram nas suas contas bancárias, aqui e no exterior.

A metralhadora acusatória dos advogados tem um alvo especial – o juiz Sérgio Moro. “É inconcebível que os processos sejam conduzidos por magistrado que atua com parcialidade, comportando-se de maneira mais acusadora do que a própria acusação”, afirmam os advogados. É grave essa distorção dos fatos. Se os acusados e seus causídicos veem parcialidade em Sérgio Moro, os Tribunais Superiores têm confirmado em grande porcentual as decisões daquele juiz.

É lamentável que pessoas responsáveis e consequentes como as que assinaram o documento afirmem que “a Operação Lava Jato se transformou numa Justiça à parte”. A Operação Lava Jato está plenamente inserida nos caminhos institucionais. Se ela não estivesse dentro da mais plena legalidade, certamente muitos dos subscritores do manifesto, de notória capacidade profissional, já teriam obtido a nulidade dos processos. O que os preocupa é a consistência dos passos dados pela Polícia Federal, pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário.

O documento revela diligência profissional por parte dos causídicos, que não poupam esforços na defesa de seus clientes. Mas o discurso acusatório é um equívoco. Causa involuntário mal à democracia usar palavras de forma arrebatada – e irrefletida. O documento afirma que “o Estado de Direito está sob ameaça e a atuação do Poder Judiciário não pode ser influenciada pela publicidade opressiva que tem sido lançada em desfavor dos acusados e que lhes retira, como consequência, o direito a um julgamento justo e imparcial”. Ora, não se vislumbra qualquer ameaça ao Estado de Direito. As leis estão sendo cumpridas. Bem conhecem os subscritores a previsão legal da prisão preventiva e da delação premiada, por exemplo.

Se houve violações e abusos de direitos nas decisões judiciais, a legislação brasileira prevê generosamente amplos caminhos recursais para sua revisão. Nesse sentido, não há que se falar de supressão de garantias e direitos. Há de se reconhecer que poucos réus na História da Justiça brasileira tiveram a possibilidade de ser tão bem assistidos juridicamente quanto os atuais réus e investigados na Operação Lava Jato. Puderam contratar os melhores e mais caros advogados do país.


Um comentário:

  1. (argento) ... o "manifesto", no meu entender, seria risível não fossem os objetivos que pretendem alcançar manobrando a massa. Que eu saiba, aos arrolados no processo não faltam e nem foi suprimido o direito de defesa - uma coisa ainda "incomoda" minha mente: como é que, dado o grau de Aparelhamento alcançado em todas as instituições, foi possível chegar tão longe com a Lava Jato ...

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