segunda-feira, 14 de maio de 2018

O cidadão e a "Constituição Cidadã"


O cidadão pega a Constituição de 1988, começa a ler e fica empolgado quando se depara com o Artigo 5º que diz: “TODOS SÃO IGUAIS PERANTE A LEI, SEM DISTINÇÃO DE QUALQUER NATUREZA, GARANTINDO-SE AOS BRASILEIROS E AOS ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS A INVIOLABILIDADE DO DIREITO À VIDA, À LIBERDADE, À IGUALDADE, À SEGURANÇA E A PROPRIEDADE”.

“Beleza!”, diz ele, principalmente ao desfiar os parágrafos que falam de liberdade disso e daquilo e vibra quando chega ao parágrafo XXXVII e lê que “NÃO HAVERÁ JUÍZO OU TRIBUNAL DE EXCEÇÃO”.

Como ele é persistente, vai em frente, mas chegando ao Artigo 102º que diz que “COMPETE AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, PRECIPUAMENTE, A GUARDA DA CONSTITUIÇÃO” leva um susto ao ver que logo no primeiro parágrafo algumas das competências do STF são: “I - PROCESSAR E JULGAR, ORIGINARIAMENTE: (...) b) NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS, O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, O VICE-PRESIDENTE, OS MEMBROS DO CONGRESSO NACIONAL, SEUS PRÓPRIOS MINISTROS E O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA; c) NAS INFRAÇÕES PENAIS COMUNS E NOS CRIMES DE RESPONSABILIDADE, OS MINISTROS DE ESTADO E OS COMANDANTES DA MARINHA, DO EXÉRCITO E DA AERONÁUTICA, OS MEMBROS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES, OS DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO E OS CHEFES DE MISSÃO DIPLOMÁTICA DE CARÁTER PERMANENTE”.

“Peraí!”, exclama. “Não disseram lá em cima que ‘não haverá juízo ou tribunal de exceção’? Não entendi!”

O cidadão, que é leigo em Direito, mas não é idiota, acabou de descobrir um privilégio que afronta diretamente o Artigo 5º da Constituição Federal, um “foro privilegiado” ou “foro especial por prerrogativa de função”, eufemismo jurídico inutilmente criado com o sentido desonesto de disfarçar a vantagem escancarada autoconcedida pelas ditas autoridades.

Não satisfeito, o cidadão sai fuçando aqui e ali e descobre que a justificativa é a necessidade de se proteger o exercício da função ou do mandato público. Dizem eles que, como é de interesse público que ninguém seja perseguido pela justiça por estar em determinada função pública, então considera-se melhor que algumas autoridades sejam julgadas pelos órgãos superiores da justiça, tidos como mais independentes.

“Papo furado!”, indigna-se.

O humor do cidadão piora quando descobre em suas pesquisas que tem mais gente, muito mais, incluída no tal “foro especial por prerrogativa de função”. São os Governadores, julgados, em crimes comuns, pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ); são os prefeitos, julgados pelos Tribunais de Justiça estaduais; são os desembargadores dos tribunais de justiça, membros de Tribunais de Contas estaduais e municipais, além de membros de Tribunais Regionais (TRF, TRT, TRE, etc), julgados pelo STJ; são os Juízes Federais, do Trabalho, Juízes Militares e Procuradores da República, julgados pelos Tribunais Regionais Federais e são os membros do Ministério Público.

“Caraca, são 55 mil!”, estarrece-se e parte para pesquisar estatísticas.

“Bom, vamos ver então a eficiência desses tais tribunais de exceção. Pelo menos isso tem que corresponder.”, decide.

Tudo começou bem, quando o cidadão verificou que até janeiro de 2018 a primeira instância da Justiça do Paraná contabilizou 72 acusações criminais, 37 delas já com sentenças, contra 289 pessoas. Foram 177 condenações até 2017, contra 113 pessoas, totalizando 1.753 anos e 7 meses de penas. Os registros mostram ainda 1.765 procedimentos instaurados, 881 mandados de busca e apreensão, 222 mandados de condução coercitiva, 101 prisões preventivas e 163 acordos de delação premiada. Na Justiça do Rio de Janeiro, as 25 denúncias do MPF, contra 134 pessoas, já resultaram em 4 sentenças, 31 condenados, com penas somadas de 377 anos e 5 meses de reclusão, além de 57 prisões preventivas, 34 conduções coercitivas, 211 buscas e apreensões, 15 acordos de delação homologados e 17 operações em conjunto com a Polícia Federal e a Receita Federal.

“Maravilha, mas isso é o pessoal que perdeu ou nunca teve o tal foro privilegiado, é justiça comum.” E partiu para o STF. E foi aí que a coisa pegou.

Começou com o levantamento feito pela VEJA em 2015: dos 500 parlamentares que foram alvo de investigação ou de ação penal no STF nos últimos 27 anos, apenas 16 foram condenados. Desses, 8 foram presos. Os demais ou recorreram, ou contaram com a prescrição para se livrar das ações penais.

A coisa piorou quando leu que desde março de 2015, 193 inquéritos no âmbito da Lava Jato foram instaurados no STF. Entre eles, 36 resultaram em denúncias criminais e 7 em ações penais que envolvem 100 acusados. Segundo dados obtidos no site do Ministério Público Federal (MPF), 121 acordos de colaboração premiada já foram submetidos ao Supremo até janeiro deste ano. Só que o número de condenações de políticos, no entanto, ainda é zero. Isso mesmo, cidadão, zero!

“Quer dizer então que o foro é biprivilegiado? Além da prerrogativa de função os criminosos têm a prerrogativa de contar com um foro conivente com seus crimes?”, e decidiu, danado da vida, mudar-se para Serra da Saudade, município de Minas, com 812 habitantes, e candidatar-se a vereador.  


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